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O Grupo

No último ano do século passado, dentro da FAP (Faculdade de Artes do Paraná), existia uma grande vontade de produzir e pesquisar comédia, mas não havia onde exercitá-la. Surgiu a ideia de montar uma mostra de cenas curtas focadas em humor e o resultado foi tão positivo que nos perguntaram: Vocês não vão parar de fazer, né?

 

Surgia o Antropofocus (“enfoque no ser humano” é a nossa livre tradução), um grupo dedicado a criar colaborativamente espetáculos cômicos. Em mais de duas décadas de existência, este coletivo já produziu mais de 13 espetáculos, festivais, programa de rádio e vídeos.

Núcleo fixo

Quase um quarto de século - e contando

Durante a pandemia foi escrito um artigo sobre o Antropofocus, por Vítor Berti (coordenação) e Nilo Netto, na coletânea de artigos "Breves Apontamento sobre o Teatro Das_Nas_Pelas Periferias Brasileiras", coordenado por Alexandre Mate, 

ANTROPOFOCUS: DUAS DÉCADAS DE COMÉDIA

por Vítor Berti (coord.) e Nilo Netto

Nas portas da virada de século, o ano era dois mil. Na gelada capital paranaense, nascia o grupo de teatro Antropofocus, sob o desejo ousado de encarar a pesquisa da comédia em um cenário onde tal aprofundamento era pouco explorado. O encontro entre estudantes de Bacharelado em Artes Cênicas se deu na Faculdade de Artes do Paraná, resultando na consolidação de, na época, um grupo de pesquisa em comédia e suas múltiplas possibilidades.

 

Com o passar do tempo, dos quilômetros rodados, da maturação do trabalho, da pesquisa, dos entendimentos da ação cômica e dos inúmeros encontros com as mais diferentes plateias, o Antropofocus foi se consolidando como um grupo de criação em linguagens e estéticas cômicas.

 

Atualmente, integram o seu núcleo: Andrei Moscheto, Anne Celli, Edran Mariano e Marcelo Rodrigues. Ainda que Andrei Moscheto exerça a função de diretor, os encaminhamentos se pautam pela lógica do trabalho de grupo, na qual as decisões de produção e execução de ações artísticas são realizadas em conjunto, passando pelo crivo dos quatro integrantes e sócios.

 

Desde sua fundação, o Antropofocus tem como objeto de sua pesquisa o comportamento das pessoas em seu cotidiano, tomando como premissa que todas as ações humanas podem ser consideradas cômicas, dependendo do ponto de onde se observa. Nessa lógica, o nome “Antropofocus” deixa a dica de que o foco é, antropologicamente, no ser humano. Nesse caminho, os/as integrantes do grupo dedicam-se a explorar diferentes formas de comicidade, registrando em sua trajetória ao longo desses 21 anos a criação de 14 espetáculos teatrais: Amores e Sacanagens Urbanas (2000); Amores e Sacanagens: Edição Especial (2001); Pequenas Caquinhas (2004); Esteriotipacionices (2005); Dimensão Desconhecida (2006); Porcus (2007); Contos Proibidos de Antropofocus (2008); Improfocus (2010); Não se Preocupe: É Apenas o Fim do Mundo (2012); Resta 1 (2013); Histórias Extraordinéditas (2015); No Dia Seguinte - A Quase História da Televisão Brasileira(2016); Justo Hoje! (2019); Deixe Seus Problemas lá Fora (2020).

 

Suas bases de estudo são precisas e determinadas, tendo suas influências vindas, inicialmente, de quatro grupos principais: 1. Monty Python, da Inglaterra, com a liberdade da linguagem non-sense e sua comédia estruturada na quebra de regras e padrões preestabelecidos.

2. Les Luthiers, da Argentina, com seus textos de humor refinado e jogos de palavras, sendo uma forte influência para o grupo.

3. Asdrúbal Trouxe o Trombone, do Brasil, mais precisamente do Rio de Janeiro, principalmente pelo processo colaborativo de criação.

4. Parlapatões, Patifes & Paspalhões, do Brasil, mais precisamente de São Paulo. Em 1996, o contato direto de Andrei Moscheto com Hugo Possolo, diretor dos Parlapatões, semeou a possibilidade de existirem grupos voltados para a pesquisa de comédia no país.

 

Constantemente, o Antropofocus volta seu olhar para as mudanças sociais e acontecimentos contemporâneos, analisando suas formas de inserção artística nestes contextos. Questionam-se permanentemente quanto às formas de fazer comédia. O apreço por esse questionamento aparece em suas escolhas ao diversificarem o uso da linguagem, mantendo-se cuidadosos com as representações a fim de não caírem em clichês preconceituosos, em não recorrerem a palavrões como alternativa para efeito cômico. Entendem que: se uma cena funciona só com o palavrão, é porque ela não funciona. O desafio para o Antropofocus seria encontrar em suas obras a comicidade por ela mesma, sem reforçar arquétipos discriminatórios e sem a utilização do que considerariam aportes simplórios.

 

Desde o princípio, o Antropofocus trabalha fortemente com a linguagem da improvisação teatral atravessando seus processos de criação, de ensino na aplicação de cursos para a comunidade e, mais tarde, em espetáculos de formato improvisado. Logo nos primeiros anos de trabalho, os exercícios de improvisação se tornaram uma prática presente em seus ensaios e processos de criação, pois ajudavam a gerar ideias e propostas cênicas. Naquela época, o Antropofocus já entendia que não era tudo que poderia ser levado ao palco. O que referendava a validade do conteúdo cênico era a práxis. Ou seja, se o grupo entendesse em sala de ensaio que uma cena poderia funcionar, realizavam- -na em espetáculo e o retorno do público confirmaria ou refutaria o material apresentado.

 

Com o passar dos anos, o grupo foi se especializando, aprofundando sua pesquisa e buscando formação com artistas referenciais na área da comédia e improvisação teatral. A inclinação para o campo da improvisação se intensificou quando Andrei Moscheto começou a trabalhar, em 2010, com os paulistanos da Cia. Barbixas de Humor no espetáculo Improvável. No ano seguinte, Moscheto viajou para o Canadá para estudar com Keith Johnstone, figura fulcral para a improvisação teatral contemporânea no mundo.

 

Em 2012, trouxeram a Curitiba o diretor canadense Frank Totino – parceiro essencial de Johnstone – para um período de trabalho de pesquisa com o coletivo. Seus integrantes saíram da imersão com o pensamento: “improvisar é possível!”. Totino trabalha com uma visão da improvisação como conceito e linguagem cênica, aplicada a grupos teatrais. Esse encontro foi um marco significativo para que o Antropofocus pudesse sonhar com espetáculos que mantivessem o esmero nos cuidados teatrais e que utilizassem do improviso enquanto poética e técnica, como os espetáculos Histórias Extraordinéditas e No Dia Seguinte - A quase História da Televisão Brasileira.

 

Em 2013, estabelecidos em sua própria sede, o Antropofocus deu continuidade à proposta de trazer grandes nomes da improvisação teatral como provocadores de seus processos criativos e estéticos. O grupo esteve com Ana Teixeira, Omar Argentino, Daniel Nascimento, Gustavo Miranda, Allan Benatti, Marcio Ballas, Shawn Kinley e outros nomes. Sempre que podiam, estendiam oficinas desses mestres e mestras para a comunidade artística da cidade.

 

Até hoje, o Monty Python segue como referência ao grupo, em especial Terry Jones, que é quem diz “a comédia constrói”. Esse é um conceito em que o Antropofocus se agarra para entender que comédia também pode fazer histórias avançarem.

 

Durante o período de pandemia, no ano de 2020, o Antropofocus começou a pensar possibilidades de transmissões de material artístico por vídeo, tanto ao vivo quanto por meio de gravações, a fim de serem justos com os tempos atuais e servirem às pessoas em suas casas. É o caso do espetáculo Deixe Seus Problemas lá Fora (2020), uma sarcástica comédia audiovisual sobre os acontecimentos recentes deste tempo histórico. A linguagem audiovisual – que já aparecera como elemento integrado em outras obras do grupo – é forte candidata à permanência dentro das suas investigações para além do período de isolamento social.

 

O Antropofocus é também referência a muitos trabalhos cômicos na cidade de Curitiba, tanto pela extensa obra quanto pela pesquisa socializada na forma de cursos e oficinas de comicidade e improvisação. A partir dessa experiência, grupos e companhias de teatro já foram formados com cursistas que em diversas ocasiões retornam como parceiros de trabalho e colegas de palco.

 

O renome do Antropofocus enquanto trabalho de grupo bem consolidado e estruturado reverbera na história artística da cidade. Se há duas décadas havia um sonho jovial de criar um grupo que trabalhasse as linguagens da comédia teatral, hoje se pode dizer sem medo: ele existe e resiste! Dessa forma, é justo afirmar que o Antropofocus colabora significativamente para atribuir seriedade ao trabalho acerca do humor feito com embasamento, critérios e práxis.

PEREIRA NETTO, Nilo Silva; VIEIRA BERTI, Vítor Ângelo. Antropofocus: duas décadas de comédia. In: Alexandre Mate. (Org.). Breves apontamentos sobre o teatro das_nas_pelas periferias brasileiras. 1ed.São Paulo: Associação dos Artistas Amigos da Praça: Lucias, 2024, p. 616-618.

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Vítor Berti é ator, improvisador, professor, roteirista e dublador. Graduado em Licenciatura em Teatro pela Faculdade de Artes do Paraná - UNESPAR. Trabalha com teatro e audiovisual, tendo como pontos de pesquisa: Improvisação Teatral, Interpretação, Comédia e Escrita. Já se apresentou em diferentes espetáculos e festivais. Seus trabalhos mais recentes foram como Assistente de Direção e Assistente de Dramaturgia no espetáculo "Bom dia, grupo!" do Grupo Antropofocus; e como Ator no espetáculo "A Maldição dos 27 Anos" da Cia Vigor Mortis. É vegetariano e se não fosse o teatro teria uma bela (e breve) carreira como jogador de basquete.

Nilo Netto é professor, palhaço, improvisador e produtor cultural. Graduado em Educação Física (PUCPR), especialista em educação escolar (UFPR), mestre e doutorando em Tecnologia e Sociedade (UTFPR). Estudou palhaçaria e improvisação com grandes mestres e mestras do Brasil e do mundo. É egresso da Escola do Ator Cômico e da Escola dos Palhaços. Integra a Cia. Risas e o Projeto Reticências.

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